segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Freundschaft 1



"A amizade começa como um acto sem continuidade, um salto. É um momento em que sentimos uma fortesimpatia, um interesse, sentimos uma afinidade em relação a uma pessoa. Se já a conhecíamos há algum tempo, é como se a víssemos de uma maneira diferente, pela primeira vez. Chamaremos «encontro» a essa experiência. O encontro é sempre inesperado, revelador. Com a grande maioria dos nossos conhecimentos nunca daremos este primeiro passo na estrada da amizade. Poderemos estar juntos toda a vida, porém nunca se verifica aquele contacto, aquela centelha por causa da qual somos atraídos por ele e desejamos enconrar-nos de novo, para continuarmos qualquer coisa que começámos. A amizade constitui-se através de uma sucessão de estes «encontros», cada um dos quais continua o precedente. (...) Podemos retomar a conversa interrompida. O que surpreende no encontro é que a conversa já não se detém sobre o que dissemos anteriormente. Cada «encontro» é diferente, abre uma nova estrada, abre-nos novas perspectivas. Se uma amizade é verdadeira, isto repetir-se-á inúmeras vezes.
«A amizade é uma filigrana de encontros.»Ninguém sabe antecipadamente se haverá ou não um encontro. O encontro é sempre imprevisível, inesperado. Como a felicidade, que já não está onde a esperamos como caçadores em guarda. Se procuramos ansiosamente a felicidade, se a queremos, encontramos mais frequentemente a desilusão. Ou o aborrecimento. A felicidade aparece de improviso, quando não pensamos realmente nela, como se nos seguisse e esperasse, para se revelar, que estivéssemos distraídos. O encontro é em si mesmo um momento de felicidade, de grande intensidade vital. É um momento em que compreendemos algo de nós próprios e do mundo. No encontro sentimos que a outra pessoa nos ajuda a caminhar na direcção correcta."
 
Francesco Alberoni, "A Amizade", Venda Nova: Bertrand Editora, 1996, pp. 17-18

domingo, 30 de dezembro de 2012

Fünf Jahre 4

 

"Momentos há em que a toda a nossa volta os objectos se tornam insuportáveis como se nos roubassem o ar, como se neles houvesse uma respiração onde o ar e a luz interviessem simultaneamente. Entre os sabores que tocam no meu espírito procuro então o que de melhor me possa devolver à transparência, não a dos espelhos ou a dos vidros, que a literalidade impregna, mas a abrupta transparência dos sentidos."
 
Luís Miguel Nava, "Tranparência", in Poesia Completa, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2002, p. 170

sábado, 29 de dezembro de 2012

Fünf Jahre 3


 

"O certo é que eu, nessa tarde longínqua, adquiri a sensibilidade melindrosa a que devo os maiores sofrimentos e alegrias e também (veja-se a outra face da medalha) este impudor que nos leva a apresentar em público a nossa alma conforme Deus a pôs no mundo - nua, completamente nua!"

Teixeira de Pascoaes, O Bailado, Colecção "Obras Completas de Teixeira de Pascoaes", organização de Jacinto do Prado Coelho, volume VIII, Livraria Bertrand: Amadora, 1973, p. 29

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Fünf Jahre 1



"um bom poema
leva anos   
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,   
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,   
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,  
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,   
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto"
 
 
Paulo Leminsky

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Es ist nun Weihnachten...




"O barulho de existir:
um cão
dentro de mim.

Atravesso
como a um pátio
o barulho de existir."


Carlos Nejar, "Claridade", in Antologia Poética de Carlos Nejar, Editorial Pergaminho, 2003: 92

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Es ist Weihnachten!



"Nasce mais uma vez,
Menino Deus!
Não faltes, que me faltas
Neste inverno gelado.
Nasce nu e sagrado
No meu poema,
Se não tens um presépio
Mais agasalhado.
Nasce e fica comigo
Secretamente,
Até que eu, infiel, te denuncie
Aos Herodes do mundo.
Até que eu, incapaz
De me calar,
Devasse os versos e destrua a paz
Que agora sinto, só de te sonhar."


Miguel Torga, Natal, in "de natal em busca", Ed. Pássaro de Fogo, 2006, p. 48

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Zu deinem Geburstag



"Cada prenda de um amigo é uma esperança na tua felicidade; assim é este anel."

Richard Bach, Não há Longe nem Distância, Publicações Europa-América: Mem Martins, 1979

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Jetzt ist mir alles klar!




"Na impossibilidade da amizade ter um fim,
 continuar a amar é dizer adeus."

Daniel Faria, O Livro do Joaquim, Quasi Edições: V. Nova de Famalicão, 2007, p. 84

sábado, 15 de dezembro de 2012

Ich bin nun traurig...



"Deixei o jardim encantado da Primavera perpétua  e regressei ao mundo que conhecia. Onde a chuva continuava a cair."

Tom Harper, "O Mosaico de Sombras - Um mistério em Bizâncio", Lisboa: Editorial Bizâncio, 2006, p. 253

domingo, 9 de dezembro de 2012

Bis morgen!




"Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.

É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.

É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.

Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias."


Eugénio de Andrade, As Palavras Interditas. Até Amanhã, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 1990, p. 44

sábado, 8 de dezembro de 2012

Über den Himmel und die Hölle



"Era uma vez um lugar com um pequeno inferno e um pequeno paraíso, e as pessoas andavam de um lado para o outro, e encontravam-nos, a eles, ao inferno e ao paraíso, e tomavam-nos como seus de verdade. As pessoas eram pequenas, mas faziam muito ruído. E diziam: é o meu inferno, é o meu paraíso. E não devemos malquerer às mitologias assim, porque são das pessoas, e neste assunto de pessoas, amá-las é que é bom. E então a gente ama as mitologias delas. À parte isso o lugar era execrável."
 
Herberto Helder, Os Passos em Volta, 9ª ed., Lisboa: Assírio & Alvim, 2006, p. 53

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Unsagbar




"O que dói
É não poder apagar a tua ausência
e repetir dia após dia os mesmos gestos

O que dói
é o teu nome que ficou como mendigo
Descoberto em cada esquina dos meus versos

O que dói
é tudo e mais aquilo que desteço
Ao tecer para ti novos regressos"

Daniel Faria, "Ítaca", in Poesia, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p. 379

domingo, 2 de dezembro de 2012

Es friert...



"No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,

Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,

No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade."


José Saramago, in Os Poemas Possíveis


sábado, 1 de dezembro de 2012

Lass die Blume stehen!


 

"Deixa ficar a flor,
a morte na gaveta,
o tempo no degrau.


Conheces o degrau:
o sétimo degrau
depois do patamar;
o que range ao passares;
o que foi esconderijo
do maço de cigarros
fumado às escondidas...

Deixa ficar a flor.

E nem murmures. Deixa
o tempo no degrau,
a morte na gaveta.
Conheces a gaveta:
a primeira da esquerda,
que se mantém fechada.
Quem atirou a chave
pela janela fora?
Na batalha do ódio,
destruam-se, fechados,
sem tréguas, os retratos!

Deixa ficar a flor.

A flor? Não a conheces.
Bem sei. Nem eu. Ninguém.

Deixa ficar a flor.

Não digas nada. Ouve.
Não ouves o degrau?

Quem sobe agora a escada?
Como vem devagar!
Tão devagar que sobe...

Não digas nada. Ouve:
é com certeza alguém,
alguém que traz a chave.

Deixa ficar a flor."

David Mourão-Ferreira, "Obra Poética 1948-1988", Lisboa: Editorial Presença, 1996, pp. 13-14