sábado, 31 de março de 2012

Auf dem Weg nach Santiago - Tag 6




“La tristeza que tiene mi alma,
por el blanco camino la dejo,
para ver si la encuentran los niños
y en el agua la vayan hundiendo,
para ver si en la noche estrellada
a muy lejos la llevon los vientos”

Federico García Lorca, Obra Poética Completa, Martins Fontes: S. Paulo, 2002, p. 58

sexta-feira, 30 de março de 2012

Auf dem Weg nach Santiago - Tag 5




“Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.”

Mário de Sá-Carneiro, Obra Poética, Publicações Europa-América, s. d., p. 86

quinta-feira, 29 de março de 2012

Auf dem Weg nach Santiago - Tag 4




“Triste, triste é outra coisa. É quando passam alguns navios enormes, com joalharias de coral e mastros de ébano, com grandes bandeiras desfraldadas brancas e vermelhas, cheios de tesouros, que nem sequer se aproximam do porto quer por todos os géneros que levam serem proibidos, quer por o porto não ter bastante profundidade para os acolher. E seguem o seu caminho. Vão de vento em popa sobre as suas velas de seda, o sol fulgura na sua figura de proa em ouro, e afastam-se traquila e majestosamente, afastam-se para sempre de nós e do nosso porto constrito. ”

Konstandinos Kavafis, Poemas e prosas, Relógio d'Água: Lisboa, 1994, p. 146

quarta-feira, 28 de março de 2012

Auf dem Weg nach Santiago - Tag 3



“Assim se apagam as ilusões
Da minh’alma martirizada,
E nela surgem as visões
Da manhã primeva e clara.”


Aleksandr Púchkin, O Cavaleiro de Bronze e outros contos, Assírio & Alvim: Lisboa, 1999, p. 79

terça-feira, 27 de março de 2012

Auf dem Weg nach Santiago - Tag 2


"Do I dare
Disturb the universe?
In a minute there is time
For decisions and revisions which a minute will reverse´."

T. S. Eliot, A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock, Assírio & Alvim: Lisboa, 1993, p. 22

segunda-feira, 26 de março de 2012

Auf dem Weg nach Santiago - Tag 1




"I didn’t want any flowers, I only wanted
To lie with my hands turned up and be utterly empty."

Sylvia Plath, Pela Água, Lisboa: Assírio & Alvim, 2000:24

domingo, 25 de março de 2012

Auf dem Weg nach Santiago - Tag 0




“Se buscas o novo
deixa à porta do poema as tuas ilusões”


“Se iluminar toda a terra de memórias
mais só eu ficarei.
Por isso muito tempo
deixei de escrever ou de sequer pensar 
no que escrevia.
A memória separa-nos da vida
como o vidro de um espelho”


 Luís Filipe Castro Mendes, Os Dias Inventados, Lisboa:Gótica, 2001, pp. 11 e 17

sábado, 24 de março de 2012

Auf dem Weg nach Santiago - Vorbereitung


Sentei-me para escrever e fiquei pensando (Luís Filipe Castro Mendes, in Os Dias Inventados, p. 16). Prometi relatar a viagem, mas os lugares esfumam-se na memória das emoções. As chagas abertas no caminho teimam ganhar vivacidade à clara luz do dia. Curá-las é transpor a lucidez e reconhecer a irracionalidade de um erro.
Caminhar é, naturalmente, um acto solitário, que se executa num gesto lento e concentrado. Cada passo se processa numa íntima decisão, numa escolha deliberada e cuidadosa. Evitar o atrito do percurso, muitas vezes íngreme, exige igualmente um esforço físico intenso. Assim conjugados, físico e intelecto se organizaram e aqui testemunham vivências comuns.
O Caminho de Santiago apresenta-se como um percurso sinuoso e penoso, que exige, além da natural preparação física, uma activa consciência espiritual de busca, de sacrifício, de partilha e comunhão. Ser peregrino é um acto solene, uma promessa renovada a cada passo, a cada dificuldade, como uma oração que o Alto raramente escuta.
Numa quase interminável contagem decrescente, os metros prolongam-se pelas milhas dolorosas da descrença. E eis que num gesto inumano, quase celestial, a natureza se revela. E chove imenso. A água penetra cada poro da pele e mistura-se com a transpiração, de tal modo que segundos depois se tornam indistintas. Como Pascoaes, “vesti-me de sombra e senti o silêncio pousar-me no coração” (in Poesia de Teixeira de Pascoaes, antologia organizada por Mário Cesariny, p. 160). Era hora!

quinta-feira, 22 de março de 2012

Selbstporträt 2



"Fiz mal em falar: tenho a minha vida inteira na ponta da língua. (...) Não riais, tudo isto é de uma tristeza mortal."

Alfred de Musset, Com o amor não se brinca, Bicho do Mato, s/ d., p. 58 

domingo, 18 de março de 2012

Selbstporträt 1




    "O teu corpo é hediondo. É como o corpo de um leproso. É como um muro de argamassa por onde se arrastam víboras, um muro de argamassa onde os escorpiões fizeram ninho. É como um sepulcro caiado e cheio de coisas repelentes. É horrível, o teu corpo é horrível."

Oscar Wilde, Salomé, Editora Estampa, 2ª edição, 2002, p. 49


sábado, 17 de março de 2012

Aus Wasser





"Sós,
irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.

Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem

Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nenhum ser nós se transmite.

Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.

Dão-se os lábios, dão-se os braços
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.

Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarce,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se, e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém."

António Gedeão, Obra Completa, Lisboa: Relógio D'Água, 2004, pp. 121-122

segunda-feira, 12 de março de 2012

Aus Stein 1



"No esquecimento sucumbiu aquilo
que, enigmaticamente, se perdeu,
não na cegueira. No vagar de um limbo
de que a cegueira se tornou refém.
Como o vagar, agora recolhido
àquele ponto que deixou de ter
dentro. Nem nada de que fosse sítio.
Só era nome de que alguma vez
alguém sentisse que corria frio
sem saber de onde. Nem o frio que é.
O esquecimento foi adeus. Perdido
em nem sequer haver havido adeus,
mas só o imóvel. Aonde vem o abismo
abrir naufrágio. Sua cegueira até."

Fernando Echevarría, Introdução à Poesia, Edições Afrontamento, 2001, p. 37

sexta-feira, 9 de março de 2012

Du fehlst mir ...



"Os vivos ouvem poucamente. As plantas,
como o elemento aquático domina,
são dadas à conversa. A menor brisa abala
a urna de concórdia estremecida
que, assim, sensível, se derrama
e é solidão solícita.
Os vivos não ouvem nada.
Mas, havendo acedido a essa malícia
de experiência cândida,
os mortos deixam que o ouvido siga
o fluvial diálogo das plantas
umas com outras e todas com a brisa.
Melhor ainda. Quando, nas noites cálidas,
as plantas se sentem mais sozinhas,
os mortos brincam à imitação das águas
inventando palavras de consonâncias líquidas.
E esse amoroso cuidado de palavras
a urna de concórdia vegetal espevita
até que, a horas altas,
a noite, os mortos e as plantas
caiam no sono duma luz solícita."


Fernando Echevarría, in "Sobre os Mortos"

quarta-feira, 7 de março de 2012

terça-feira, 6 de março de 2012

Wo bist du, mein Freund?


 
"- ouço-te não te vejo, pássaro de som, pelo céu em queda, e eu, surda para tudo o que não seja esse som, no ar vertiginoso."


"- Chora-se por alguém, chora-se, embora eu chore a olhar para mim a chorar, chora-se para que nos digam: não chores, ou para que nos oiçam, mas este choro não ouvido, este choro não visto, anónimo, só um corpo a chorar sem remédio, o choro omitido das desatenções, o choro esquecido no choro, nos seus meandros, mudez e surdez, este choro, sem lugar de choro, é a palavra última, apaga-se nela, este choro é a palavra que se apaga."


Rui Nunes, Grito, Lisboa: Relógio D'Água,1997, pp. 53, 40

domingo, 4 de março de 2012

Nun Mut!





"Os campos estavam vazios, o vento agitava a margem para a qual, ao fundo,pendiam ervas altas, como cabeleiras de cadáveres a flutuar na água. Continha a dor, foi corajosa até à noite; mas, no seu quarto, abandonou-se-lhe, de bruços sobre o colchão, o rosto no travesseiro e os dois punhos contra as têmporas."


Gustave Flaubert, Um coração simples, Lisboa: Editorial Teorema, 2003 , pp. 35-6