quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Lieber Freund (fast 30 Jahren)

Geschlossene Fenster



"Não voltei a encontrá-los - esses tão depressa perdidos....
esses olhos poéticos, esse pálido
rosto.... no anoitecer da rua....

Não os encontrei mais - aos adquiridos inteiramente por acaso,
que tão facilmente deixei; 
e que depois com ansiedade queria.
esses olhos poéticos, esse pálido rosto,
aqueles lábios não os encontrei mais."

Konstandinos Kavafis, Poemas e Prosa. Lisboa: Relógio d'Água, 1994, p. 71

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Ich hätte dir noch soviel zu sagen...



"Subitamente, o seu rosto, sempre tão imperturbável, ganhou traços de tão estranha tensão que os seus olhos cinza-mar parecia estarem a ser sobrevoados por sombras de nuvem: «Que pena! Tinha tanta coisa para falar consigo!» E a partir deste momento certa agitação e inquietação mostraram que estava a pensar numa outra coisa qualquer ao mesmo tempo que dizia aquelas palavras. Algo que a absorvia e distraía irresistivelmente. Esta distracção parecia enfim perturbá-la deveras, pois após um silêncio repentinamente instalado, deu-me inesperadamente a mão: «Vejo não conseguir dizer-lhe com clareza aquilo que de facto gostaria de lhe dizer. Prefiro fazê-lo por escrito.»" 

                          Stefan Zweig, Vinte e quatro horas na vida de uma mulher, Lisboa: A esfera dos livros, 2008, p. 22-3

Meine Augen



"Os meus olhos são uns olhos, 
e é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos,
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.

Quem diz escolhos, diz flores!
De tudo o mesmo se diz!
Onde uns vêem luto e dores,
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.

Pelas ruas e estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros gnomos e fadas
num halo resplandecente!!

Inútil seguir vizinhos,
querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos!
Onde Sancho vê moinhos,
D. Quixote vê gigantes.

Vê moinhos? São moinhos!
Vê gigantes? São gigantes."

António Gedeão, Obra Completa, Lisboa: Relógio D'Água, 2004, p. 92-3

domingo, 28 de dezembro de 2014

Ich danke dir dafür!




"E então pensei comigo: abrir uma vez o coração e dizer da boca para fora o que nos vai cá dentro, talvez desfaça o pesado anátema e o eterno modo de olhar rigidamente o passado; então amanhã talvez possa ir até lá e entrar na mesma sala, na qual dei de caras com a minha sina e perder o ódio contra ele e contra mim. A pedra foi então deslocada do meu coração, ficando assente com todo o seu peso sobre o meu passado, impedindo-o de ressuscitar uma vez mais. Fez-me bem poder contar-lhe tudo isto; agora sinto-me mais aliviada, sinto-me quase feliz... Estou-lhe grata por isso."

Stefan Zweig, Vinte e quatro horas na vida de uma mulher, Lisboa: A esfera dos livros, 2008, p. 97

sábado, 27 de dezembro de 2014

Rückruf 3



"Levam-me estes sonhos por estranhas landas,
charnecas, desertos, planaltos de neve
muito desolados.

Pessoas que adoro mostram-me outros rostos
que eu desejaria que nunca tivessem 
nem mesmo sonhados.

E fico tão triste nestes longos sonhos
e não ouso... e assisto a esta decadência
por todos os lados.

Venho destes sonhos como de outras eras.
Neles embranquecem meus cabelos, ficam
meus lábios parados.

E mais tarde encontro meus sonhos na vida,
somente esses sonhos, somente esses sonhos
todos realizados."

Cecília Meireles, Antologia Poética, Lisboa: Relógio d'Água, 2002, p. 254


Rückruf 2




"A Fotografia não diz (forçosamente) aquilo que já não é, mas apenas e de certeza aquilo que foi. Esta subtileza é decisiva. Diante de uma foto, a consciência não segue necessariamente a via nostálgica da recordação (quantas fotografias estão fora do tempo individual), mas, para toda a fotografia existente no mundo, a via da certeza: a essência da Fotografia é ratificar aquilo que representa."

Roland Barthes, A Câmara Clara (Nota sobre a fotografia). Lisboa: Edições 70, 2008, p. 96

Rückruf 1



"A Fotografia não rememora o passado (não há nada de proustiano numa foto). O efeito que ela produz em mim não é o de restituir aquilo que é abolido (pelo tempo, pela distância), mas o de confirmar que aquilo que vejo existiu realmente. Trata-se, portanto, de um efeito verdadeiramente escandaloso. A Fotografia espanta-me sempre, com um espanto que perdura e se renova inesgotavelmente."


Roland Barthes, A Câmara Clara (Nota sobre a fotografia). Lisboa: Edições 70, 2008, p. 92-3

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Versprechung



     "E o que me dá mais raiva é que eu havia feito tantos planos!
   Mas a realidade não pode ser mesmo nem parecida com os sonhos. O melhor é não sonhar coisas que possam desiludir depois.
   De agora em diante só sonharei coisas absurdas."

Vera Brant, A Ciclotímica, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1984, p. 50

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Wer?



"Que falta me faz alguém que me entenda, que me saiba, que possa ficar ao meu lado quieto, calado, entendendo tudo, sentindo igual. Que não diga palavras tolas sobre as estrelas, que não diga nada, mas que saiba dizer coisas belas, se quiser. Ah! Que afogamento, que desamparo. Que mundo grande tão sem gente. No entanto sei que existem pessoas que me entenderiam. Que me entenderiam até no silêncio. Mas... onde?"

Vera Brant, A Ciclotímica, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1984, p. 86

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Versicht



"É verdade que estou muito triste
Na terra (já me indicaram a estrada
Com luz pública). Estou sentado nos degraus
Como alguém que parou de subir"

Daniel Faria, Poesia, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p. 331

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Licht



"Quero o incerto e perco-me.
O medo arrasta-me para trás do sol
Na sombra do tempo que flui na minha memória.
Apartada pela dor e embalada pelo canto
Perco os meus sentidos lentamente
Num adormecer fácil.
As imagens tornam-se ténues e distantes
O desejo de amar é o que fica entre dois sóis:
O que foi e o que há de vir."

Teresa Klut, "Quero o incerto e perco-me" in Novíssimos. Lisboa: Editora Ausência, 2004, p. 160

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Nie wieder...



"Para te amar ensaiei os meus lábios...
Deixei de pronunciar palavras duras.
Para te amar ensaiei os meus lábios!

Para tocar-te ensaiei os meus dedos...
Banhei-os na água límpida das fontes.
Para tocar-te ensaiei os meus dedos!

Para te ouvir ensaiei meus ouvidos!
Pus-me a escutar as vozes do silêncio...
Para te ouvir ensaiei meus ouvidos!

E a vida foi passando, foi passando...
E, à força de esperar a tua vinda,
De cada braço fiz mudo cipreste.
A vida foi passando, foi passando
E nunca mais vieste!"

Pedro Homem de Mello, Pesias Escolhidas, Porto: Edições Asa, 2004

Ablehnung



"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros 
De que seria bom que eu os ouvisse 
Quando me dizem: "vem por aqui!" 
Eu olho-os com olhos lassos, 
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) 
E cruzo os braços, 
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta: 
Criar desumanidade! 
Não acompanhar ninguém. 
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade 
Com que rasguei o ventre à minha mãe 

Não, não vou por aí! Só vou por onde 
Me levam meus próprios passos... 

Se ao que busco saber nenhum de vós responde 
Por que me repetis: "vem por aqui!"? 

Prefiro escorregar nos becos lamacentos, 
Redemoinhar aos ventos, 
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, 
A ir por aí... 

Se vim ao mundo, foi 
Só para desflorar florestas virgens, 
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! 
O mais que faço não vale nada. 

Como, pois sereis vós 
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem 
Para eu derrubar os meus obstáculos?... 
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós, 
E vós amais o que é fácil! 
Eu amo o Longe e a Miragem, 
Amo os abismos, as torrentes, os desertos... 

Ide! Tendes estradas, 
Tendes jardins, tendes canteiros, 
Tendes pátria, tendes tectos, 
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios... 
Eu tenho a minha Loucura ! 
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura, 
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios... 

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém. 
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe; 
Mas eu, que nunca principio nem acabo, 
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções! 
Ninguém me peça definições! 
Ninguém me diga: "vem por aqui"! 
A minha vida é um vendaval que se soltou. 
É uma onda que se alevantou. 
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou, 
Não sei para onde vou 
- Sei que não vou por aí!

José Régio, Não vou por aí! Antologia Poética, V. N. Famalicão: Quasi Edições, 2000, p. 15

domingo, 21 de dezembro de 2014

Blauer Tag



"Viverei só por prazer, contra a corrente, guardando a memória, o que os outros deitam fora, os desperdícios dos dias."


Teolinda Gersão, Os guarda-chuvas cintilantes. Diário. Cadernos I, Lisboa: Sextante Editora, 5ª edição, 2014,  p. 87

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Sind wir nicht Freunde?




"Talvez a noite me encontre um dia. Sentar-me-ei com ela, a conversar."


Nuno Júdice, "Conversa Nocturna", in O fruto da gramática, Lisboa: D. Quixote, 2014, p.55

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Stille



"Esta manhã que entra pela janela,
com o frio que sobrou da noite e o cinzento
que vai ficar para o dia, é fabricada com pedaços de tempo, restos
de cor, estilhaços de memória,
que vou colando na superfície branca
da alma.

Por vezes, um pássaro esquecido
do verão entra pela sala vazia, agita 
o espaço abstracto com o seu voo
inquieto, acordando a música que
um tecto de nuvens sufoca - e
leva consigo a perfeição do instante
que as suas asas inventam.

Comparo o pássaro e a manhã,
sabendo que a tarde me virá colorir
com a sua túnica
de sombra; e colo aos ombros
a luz que essa imagem me abre,
tão breve como a rosa
matinal que o outono 
colhe no caule
do amor."

Nuno Júdice, "Rosa de outono", in O fruto da gramática, Lisboa: D. Quixote, 2014, p. 43

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Gedanke



"porque as imagens não me deixam espaço para inventar nada, impedir-me-ão de pensar, de sentir, uma anestesia, uma hipnose, sento-me no sofá e o mundo desaparece (...)
quero um espaço onde tudo desapareça, como um sono, tapar a cabeça com imagens, como se fosse com areia, - calem-se, gritarei irado às crianças, porque ninguém tem permissão de falar, a não ser as imagens, que não poderão ser interrompidas"

                                                                                      Teolinda Gersão, Os guarda-chuvas cintilantes. Diário. Cadernos I, Lisboa: Sextante Editora, 5ª edição, 2014,  p. 61

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Suche



"(Uma palavra que se procura o dia todo, sem achar, e de noite se continua procurando, por dentro dos sonhos, e não se encontra nunca, é uma palavra branda, talvez, uma palavra branca, começa por a porque a é o princípio, mas não acaba, é uma palavra instável, ondulante, que muda com o vento e se transforma, é o mar, não é o mar, é o vento, o céu, é o campo, a praia, a areia, é o corpo, é a nuvem, é o mar, sempre o mar, não é o mar, adivinha onde começa e onde acaba, tem princípio porque tudo tem princípio, ou não tem talvez fim e não começa.)
(...) é uma palavra transparente, formou-se lentamente, através dos dias, acumulou-se em mim, enquanto eu atravessava as coisas, em qualquer momento virá, densa e funda e também leve, subindo, porque eu a sei, eu a sei, juro cerrando os dedos de concentração, só a sua forma me escapa, o seu percurso, (...)
(De olhos vendados, tacteando, procuro a palavra estendendo as mãos por entre as folhas, debaixo da areia, nos intervalos entre as pedras - e de repente sei que não a vou encontrar nunca.)"

                                                                                      Teolinda Gersão, Os guarda-chuvas cintilantes. Diário. Cadernos I, Lisboa: Sextante Editora, 5ª edição, 2014, pp. 58-9

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Bilder...




"Acreditei numa distância breve entre o conhecimento
e a aparição de uma imensa luz transversal ao céu
e à vida; e reclamei a descoberta de imagens, de
um fulgor de frases condensadas no arco substantivo
do verso, da palavra definitiva do ocaso. A cabeça 
caía-me das mãos; e um cansaço de pensamento
atravessava o meu espírito como um barco 
pesado de intuições e de remorsos, de um lastro
de memórias de que não me conseguia
libertar. Esqueci-me do que descobrira. Andei
pela cidade olhando para todos os lados, em busca
do rosto cujos traços perdera como se, em cada rosto
que se cruzava comigo, eu pudesse reencontrar
o desenho da face, a cor imprecisa dos olhos
na passagem da tarde para a noite, o sorriso
familiar no canto dos lábios. E se
eu procurasse dentro de mim?, pensei, se
algures num canto de tempo há muito vivido
a sua voz se voltasse a ouvir murmurando,
ao meu ouvido, qual fora o seu destino? Mas
o tempo chegava ao fim, e rasguei a folha do álbum
onde guardara a sua imagem."

Nuno Júdice, "Na página de um álbum", in O fruto da gramática, Lisboa: D. Quixote, 2014, p. 16