"Como vê, todos temos no nosso interior os elementos necessários para produzir
fósforos. Mais ainda, deixe-me dizer-lhe uma coisa que não confiei ainda a
ninguém. A minha avó tinha uma teoria muito interessante, dizia que embora
todos nasçamos com uma caixa de fósforos no nosso interior, não os podemos
acender sozinhos, precisamos, como na experiência, de oxigénio e da ajuda de
uma vela. Só que neste caso o oxigénio tem de vir, por exemplo, do hálito da
pessoa amada; a vela pode ser qualquer alimento, música, carícia, palavra ou
som que faça disparar o detonador e assim acender um dos fósforos. Por momentos
sentir-nos-emos deslumbrados por uma intensa emoção. Dar-se-á no nosso interior
um agradável calor que irá desaparecendo pouco a pouco conforme passa o tempo,
até vir uma nova explosão que o reavive. Cada pessoa tem de descobrir quais são
os seus detonadores para poder viver, pois a combustão que se dá quando um
deles se acende é que alimenta a alma de energia. Por outras palavras esta
combustão é o seu alimento. Se uma pessoa não descobre a tempo quais são os
seus próprios detonadores, a caixa de fósforos fica húmida e já nunca poderemos
acender um único fósforo.
Se
isso chegar a acontecer a alma foge do nosso corpo, caminha errante pelas
trevas mais profundas procurando em vão encontrar alimento sozinha, não sabendo
que o corpo que deixou inerme, cheio de frio, é o único que poderia dar-lho.
Como
eram certas aquelas palavras! Se havia alguém que soubesse isso era ela.
Infelizmente, tinha de reconhecer que os seus fósforos estavam cheios de mofo e
humidade. Ninguém podia voltar a acender um só que fosse."
Laura Esquível, Como água para chocolate, Ed. Asa.: Porto, 1993, pp. 109-110