"Não se pode ter muitos amigos. Mesmo que se
queira, mesmo que se conheçam pessoas de quem apetece ser amiga, não se pode
ter muitos amigos. Ou melhor: nunca se pode ser bom amigo de muitas pessoas. Ou
melhor: amigo. A preocupação da alma e a ocupação do espaço, o tempo que se
pode passar e a atenção que se pode dar –
todas estas coisas são finitas e têm de ser partilhadas. Não chegam para mais
de um, dois, três, quatro, cinco amigos. É preciso saber partilhar o que temos
com eles e não se pode dividir uma coisa já de si pequena (nós) por muitas
pessoas.
Os amigos, como acontece com os amantes, também têm
de ser escolhidos. Pode custar-nos não ter tempo nem vida para se ser amigo de
alguém de quem se gosta, mas esse é um dos custos da amizade. O que é bom sai
caro. A tendência automática é para ter um máximo de amigos ou mesmo ser amigo
de toda a gente. Trata-se de uma espécie de promiscuidade, para não dizer a
pior. Não se pode ser amigo de todas as pessoas de que se gosta. Às vezes, para
se ser amigo de alguém, chega a ser preciso ser-se inimigo de quem se gosta."
Miguel Esteves Cardoso,
«O que distingue os meus amigos verdadeiros», in Os Meus Problemas,
Porto, Porto Editora, 2016