"São as pessoas como tu que fazem com que o nada queira dizer-nos algo, as coisas vulgares se tornem coisas importantes e as preocupações maiores sejam de facto
mais pequenas. São as pessoas como tu que dão outra dimensão aos dias,
transformando a chuva em delirante orvalho e fazendo do inverno uma estação de
rosas rubras.
As
pessoas como tu possuem não uma, mas todas as vidas. Pessoas que amam e se
entregam porque amar é também partilhar as mãos e o corpo. Pessoas que nos
escutam e nos beijam e sabem transformar o cansaço numa esperança aliciante,
tocando-nos o rosto com dedos de água pura, soltando-nos os cabelos com a
leveza do pássaro ou a firmeza da flecha. São as pessoas como tu que nos
respiram e nos fazem inspirar com elas o azul que há no dorso das manhãs, e nos
estendem os braços e nos apertam até sentirmos o coração transformar o peito
numa música infinita. São as pessoas como tu que não nos pedem nada mas têm
sempre tudo para dar, e que fazem de nós nem ícaros nem prisioneiros, mas
homens e mulheres com a estatura da vida, capazes da beleza e da justiça, do
sofrimento e do amor. São as pessoas como tu que, interrogando-nos, se
interrogam, e encontram a resposta para todas as perguntas nos nossos olhos e
no nosso coração. As pessoas que por toda a parte deixam uma flor para que ela
possa levar beleza e ternura a outras mãos. Essas pessoas que estão sempre ao
nosso lado para nos ensinar em todos os momentos, ou em qualquer momento, a não
sentir o medo, a reparar num gesto, a escutar um violino. São as pessoas como
tu que ajudam a transformar o mundo."
Joaquim Pessoa, in "Ano Comum"
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