"Não
há dúvida, está perdida. Deu uma volta, deu outra, já não reconhece nem as ruas nem os nomes delas, então, desesperada, deixou-se
cair no chão sujíssimo, empapado de lama negra, e, vazia de forças, de todas as
forças, desatou a chorar. Os cães rodearam-na, farejam os sacos, mas sem
convicção, como se já lhes tivesse passado a hora de comer, um deles lambe-lhe
a cara, talvez desde pequeno tenha sido habituado a enxugar prantos. A mulher
toca-lhe na cabeça, passa-lhe a mão pelo lombo encharcado, e o resto das
lágrimas chora-as abraçada a ele. Quando enfim levantou os olhos, mil vezes
louvado seja o deus das encruzilhadas, viu que tinha diante de si um grande
mapa, desses que os departamentos municipais de turismo espalham no centro das
cidades, sobretudo para uso e tranquilidade dos visitantes, que tanto querem
poder dizer aonde foram como precisam saber onde estão. Agora, estando toda a
gente cega, parece fácil dar por mal empregado o dinheiro que se gastou, afinal
há é que ter paciência, dar tempo ao tempo, já devíamos ter aprendido, e de uma
vez para sempre, que o destino tem de fazer muitos rodeios para chegar a
qualquer parte, só ele sabe o que lhe terá custado trazer aqui este mapa para
dizer a esta mulher onde está. Não estava tão longe quanto cria, apenas se
tinha desviado noutra direcção, só terás de seguir por esta rua até uma praça,
aí contas duas ruas para a esquerda, depois viras na primeira à direita, é essa
a que procuras, do número não te esqueceste. Os cães foram ficando para trás,
alguma coisa os distraiu pelo caminho, ou então muito habituados ao bairro e
não querem deixá-lo, só o cão que tinha bebido as lágrimas acompanhou quem as
chorara, provavelmente este encontro da mulher e do mapa, tão bem preparado
pelo destino, incluía também um cão."
José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira, Lisboa: Editorial Caminho. 1995